terça-feira, 24 de abril de 2007

Do direito à indignação: uma tarde grotesca na TVI

Quem se der ao trabalho de ler a apresentação do programa “As Tardes da Júlia”, fica a saber que o mais recente talk-show da TVI pretende conquistar o «coração» dos espectadores à custa de «histórias emocionantes e verdadeiramente surpreendentes», tudo muito bem misturado com «divertidíssimos momentos de humor». Compreende-se tal propósito, sobretudo tendo em consideração as tardes dormentes de Segunda a Sexta. É a vida!

O que não se compreende e não se pode aceitar, de forma alguma, é que em nome do humor insonso e da brejeirice se ridicularizem as centenas de milhares de portugueses que se debatem com problemas de fertilidade. O programa da última sexta-feira (20 de Abril, 2007) propunha-se surpreender o auditório com o tema «Bébés difíceis», mas o que nos foi servido constitui uma demonstração do pior gosto, devidamente enfatizado pela infeliz performance de Júlia Pinheiro, que chegou ao ponto de fazer a seguinte pergunta em tom joco-sério, a propósito da síndrome dos ovários poliquísticos, uma doença que martiriza milhares de mulheres em Portugal: «Com um tratamento hormonal desentope-se a coisa?». Foi este o registo dominante ao longo do programa…

Os convidados que testemunharam as suas dificuldades em ter um filho foram seguramente escolhidos pelos «jornalistas de investigação» que sustentam tal espectáculo! Se a intenção declarada do programa era retratar a actualidade, não se compreende como pode um casal que fez tratamentos há mais de três décadas ilustrar uma área da medicina que a cada ano beneficia de novos avanços.

Mas o que verdadeiramente merece repúdio público da API, em nome das pessoas que sofrem de infertilidade, é o tom geral de paródia, a transformação de uma questão de saúde pública em reality show, a mistificação de assuntos tão sérios como a maternidade tardia nas sociedades contemporâneas, a transformação dos papéis sociais e a emancipação profissional da mulher, a impossibilidade de casais terem hoje ainda filhos por causa do custo dos tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) e a tragédia pessoal das mulheres expulsas do sistema público após os 38 anos idade. Sim, todos os hospitais públicos têm listas de espera, infelizmente, apesar das diferenças quanto à qualidade de atendimento e quanto aos prazos.

A API repudia em absoluto esta forma de tratamento, tal como a caricatura de uma doença que não pode ser simplesmente remetida para o âmbito exclusivo do stress, da obesidade ou dos maus costumes! Quem precisa de recorrer à PMA não se revê na imagem de hedonistas em busca de sucesso imediato! Trata-se de um assunto demasiado sério para ser acometido a jornalismo desta espécie.
Associação Portuguesa de Infertilidade